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onde aperta o calo

nada desperta tanto o senso de cuidado

(ou desconforto?)

(ou intromissão?)

com o outro

do que um tênis desamarrado.


se esbarrar

com alguém sendo assaltado, dificilmente terá coragem de se jogar na frente.

com alguém prestes a tropeçar em uma casca de banana, dificilmente terá uma casca de banana no meio da rua.

com alguém em situação de chuva, dificilmente convidaria para o seu guarda-chuva.

e assim por diante.

agora, ai de quem passar com um tênis desamarrado… dificilmente passará desavisado.

conhecido ou não, sempre tem alguém disposto a dar aquele toque.


oi, seu tênis está desamarrado.

acompanhado da apontadinha para baixo, como que para garantir que é dele mesmo que está falando,

daquele pé, daquele tênis. isso mais o olhar de quem espera que seja feito algo a respeito,

antes de seguir com a missão cumprida de ter tirado um nó do peito e salvo uma vida.


e ai de quem não atender o aviso.

porque se não resolver nesse momento, outros virão pelo caminho

até que o laço seja, finalmente, refeito.


um cadarço ao vento provoca essa comoção sem tamanho.

(um incômodo?)

(uma atenção?)

(uma repulsa?)

(uma emergência?)

(um apocalipse?)

(um instinto de preservação da espécie?)

capaz de promover a interação dos mais introvertidos, a compaixão dos mais emburrados,

e, na outra ponta, a irritação dos mais desamarrados. porque, convenhamos, nada mais chato do que

essa sequência de: ser interrompido pelo aviso e, então, ter a obrigação moral, social, infernal de parar, abaixar e amarrar o sapato, querendo ou não, só porque alguém falou que sim.


a liberdade tem dessas, né?

o solto provoca um incômodo.

(uma atenção?)

(uma repulsa?)

(uma emergência?)

(um apocalipse?)

(um instinto de preservação da espécie?)

no outro.


e imediatamente vem o alerta

:

vai tropeçar

vai pisar

vai escapar

vai cair.

vai?

e se tropeçar? e se pisar? e se escapar? e se cair?

?

e se?


e se olhar mais para o próprio chão?

e se deixar os outros seguirem no próprio passo?


cada um sabe onde o calo aperta, afinal.

quem está solto está livre, no final.

por isso provoca

um incômodo

(um desejo?).





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