sabe quando a gente resolve descer pela escada do prédio, abre a porta de emergência e
existe uma (micro)demora de uns segundos até a lâmpada acender? aí a gente fica ali no breu,
dando (mini)passinhos e tateando o vácuo na espera de se fazer a luz?
são segundos, mas parecem terceiros, quartos, quintos…
por mais que a gente conheça o ambiente - tem escada, tem lixo, tem corrimão, não tem mais ninguém;
por mais que a gente saiba que a luz vai chegar em (micro)instantes,
a gente paralisa, dá um friozinho na barriga, dá um ventinho no peito.
rola isso comigo diariamente, desde que decidi descer de escada - subir nem sempre.
ou seja, todosantodia eu sei que isso vai acontecer, todosantodia isso acontece:
dá um rebulicinho aqui dentro.
porque envolve o medo de não saber onde estou pisando, de não enxergar um palmo à frente,
de não ter o controle da situação - mesmo que seja por (micro)segundos.
só que aí acende, me surpreendo (sempre me surpreendo) e fica tudo bem.
e sinto um ufa cheio de alegria.
cada vez que entro na saída de emergência, enquanto espero a luz se acender,
eu penso que essa é a exata sensação do começar. ou recomeçar. ou começar de novo:
envolve medinho, frio na barriga, descobrir, se surpreender.
envolve mais coisa do que apenas eu.
é confiar que a escada estará lá,
acreditar que a luz vai acender,
se entregar e então, só então, seguir.
comecei a usar a escada não pelo exercício em si, mas só para variar mesmo.
quando fico entediada, procuro fazer as coisas de um jeito novo.
recomeços!
(aqui um parênteses: eu não lembro muito as coisas e, quando não se tem memória, a gente sente.
então minha vida é baseada no sentir. e é assim que vou. mas às vezes, pela repetição, sei de cor a lição,
a rotina, a mania. e saber de cor significa lembrar, aí toma espaço do sentir.
sem sentir a vida fica chata e eu, entediada.
dizem que seguir no automático é seguir sem pensar.
pior, é seguir sem sentir. fecha parênteses).
bem, o tédio, então.
não falo de um tédio de domingo, pontual. entediada da vida mesmo.
quando ele chega, aí desço de escada, viajo, procuro coisas novas, corto cabelo,
comproroupa-comproflor-comprocanetas, troco o caminho até o mercado,
escolho um legume diferente, crio projetos, faço planos futuros (próximos)...
faço tudo sempre igual até cansar e fazer sempre diferente, é mais ou menos assim.
desde pequenezas do dia a dia até grandes movimentos de vida.
é meio que começar as coisas do zero, sabe?
o ponto zero é minha saída de emergência.
aquele lugar para onde corro quando a coisa tá feia,
aquele lugar para onde corro quando estou entediada.
(e aqui outro parênteses para dizer que zero não é vazio, zero é cheio… de espaço para entrar.
é partida, é começo, recomeço, começar de novo)
eu vou-vou-vou e de repente já sei tão bem por onde vou que o caminho não me surpreende mais.
nem emociona, nem dá friozinho na barriga, nem ventinho no peito. fica chato.
então fujo para a saída de emergência e dou um restart.
preciso desse escurinho antes da luz entrar, que é para não ver nada,
nem saber o que vai acontecer e, assim, lembrar meu corpo de sentir.
aí tudo acende e sigo me perguntando em que andar estou,
mas eufórica para andar e descobrir.
até o próximo tédio.
photo by michael jasmund on unsplash
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