o chefe da minha tia.
foi assim que uma amiga definiu o cara. e fiquei incomodada com a descrição
mais desinteressante que já ouvi de alguém.
podia ser o homem da fila do pão. o sujeito suado do estacionamento. o esquisito do açougue.
o mano que murmura borboletinha-tá-na-cozinha enquanto transa.
sei lá, qualquer coisa seria melhor.
mas chefe da tia foi o título que ele recebeu. uma falta de sex appeal sem tamanho.
não me importa que seja chefe e nem que trabalhe com a tia. não é esse o problema.
só quero acreditar que ele há de ter qualidades mais instigantes…
mas agora ela me criou um problema, caso esse caso deles vá para frente. se ele ajudar velhinha
a atravessar a rua, se tiver dado a volta ao mundo num skate, se fizer uma salada de tomate incrível,
se for um espetáculo de pessoa, é indiferente.
o que quer que ele tenha de interessante, já não me interessa mais. quando eu conhecer,
não verei nada disso, verei apenas o sem graça chefe da tia na minha frente.
se o chefe da tia não der certo, ela tem na manga um sujeito que disse cair na gandaia.
aí sim... esse me ganhou - vai fundo, amiga. quero ouvir mais da gandaia que do escritório.
acontece que eu sou especialista em apelidos, tenho certa experiência nisso. primeiro porque
não sou boa em gravar nomes, aí uso essa artimanha para facilitar as coisas. segundo, e principalmente por isso,
porque gosto de boas histórias. e apelidos ajudam a incrementar e dar um charme até para as mais mornas.
já saí com o cara-que-tem-nome-de-dicionário, e nossas conversas sempre tinham breves silêncios
para eu pensar se chamava aurélio ou michaelis, nunca sabia de cara. também já gostei do calça-quadrada,
que errava feio na modelagem; do enéas, adivinha o motivo?; do clips, cuja origem não lembro,
mas definitivamente desperta interesse; do chicleteiro, porque vendia chicletes sofisticados,
e não pelo carnaval; do amigo do dicionário (sim, acontece); do casado que não era casado e
ainda por cima era solteiro, do louco, do canceriano...
muitas vezes o caso em si não tinha repertório o suficiente para virar papo (a bem da verdade, a maioria
deles não renderia nem uma tirinha de jornal), mas todo mundo quer saber por que casado se não era casado e ainda por cima era solteiro, afinal? e o que vem a ser um chiclete sofisticado? aí sim você ganha audiência.
e não me diga que não concorda. porque todo mundo compra livro pela capa, vai em médico porque
foi bem falado, escolhe prato pelo entusiasmo na descrição do garçom, vai no filme indicado ao oscar...
a gente sempre conta um conto e aumenta um ponto, a gente se fantasia no carnaval,
a gente bota pimenta no prato, a gente não abre mão da piada do pavê no natal,
a gente precisa dessa ginga para viver.
e aí fiquei pensando qual seria a minha ginga...
sou a que parece uma vassoura dançando?
a que come ervilha uma por uma?
a que tem pé sujo e por que cargas d'água ela não coloca um sapato?
a que deixa volumes (qualquer que seja) no número ímpar?
a que consegue mexer a orelha sozinha?
e também dobrar a ponta (só a pontinha) dos dedos das mãos?
qualquer que seja a descrição escolhida, fico satisfeita de me apresentarem assim ao mundo.
fazem jus à minha narrativa. e ainda alcanço o objetivo de atiçar a imaginação.
porque, no fim das contas, somos as histórias que vivemos.
mas também vivemos as histórias que contamos. e se não tiver aquele borogodó,
fica meio sem charme o viver e o contar.
imagina, por exemplo, se o chefe da tia cair na gandaia... aí a história já é outra.
lembra da expressão qual é a sua graça, que o pessoal de antigamente usava? a intenção, dizem,
era perguntar o nome da pessoa, mas acho é que estavam entediados e o que queriam era
algo mais nesse sentido lúdico mesmo.
afinal, uma vida sem graça, que graça tem?
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