qual é a sua rua?
vamos supor que eu venha a descobrir a cura do câncer.
que ganhe um prêmio nobel de matemática.
ou, para ser mais ao meu alcance,
que vire uma referência por alguma coisa que eu faça bem.
trocadilhos, por exemplo.
guru mundial dos trocadilhos.
em qualquer um desses casos,
ou em qualquer outro que não tenha passado pela minha cabeça agora, mas venha a brilhar:
não me faça nome de rua.
gosto da ideia da homenagem. pode ser com estátua, com música, com matérias piegas porém emocionantes.
na verdade não sei se gostaria de ser capa da veja, mas até capa da veja vá lá.
só não me faça nome de rua.
para começar, meu nome é imenso (25 caracteres sem espaço) e não facilitaria em nada o preenchimento
de formulários e afins.
mas vou além. morei por anos e anos na capitão otávio machado. e pergunto: quem foi o capitão?
o que o fez merecedor da minha rua? ninguém sabe, nem o google. seja lá o ele tenha feito,
o feito ficou limitado às contas de luz e água. e que nem lá ele tem esse reconhecimento todo,
tantos caracteres (20 sem espaço) mal cabem nos envelopes.
é por isso que desde criança sou fascinada por uma rua que chama edson (cinco caracteres sem espaço). somente edson, sem sobrenome, sem títulos, sem especificações. uma ode a todo e qualquer edson. inclusivo. em qualquer correspondência, inclusive.
aí mudei pro brooklin, onde metade das ruas são homenagens a estados ou cidades americanas, metade valoriza
o produto nacional tupi. aqui do lado, por exemplo, você tem o inesperado cruzamento da michigan com
a guaraiúva, da guararapes com a nova york. mesmo assim, a rua principal do bairro é uma pessoa:
padre antônio josé dos santos (25 caracteres sem espaço). um cara que mandou bem em alguma coisa
em algum momento em algum lugar... e foi parar na rua.
ninguém sabe exatamente o-quê-onde-como-porquê. nem o google. só quem sabe dele é o waze.
de que adianta ter feito seja lá o que tenha feito e ser reconhecido como a rua central de um bairro?
então, não me faça nome de rua.
nada contra quem é, tenho até familiares que são.
mas é uma via de mão dupla: o nome é lembrado, ok, mas não o que de fato fez.
é sair do caminho da fama e entrar na rua da amargura, sem o perdão do trocadilho.
então não é o lugar para mim.
passei minha vida inteira querendo conquistar o mundo.
seja viajando por aí e ganhando o mundo literalmente.
seja rodando as ruas do brooklin e ganhando o mundo metaforicamente.
seja fazendo trocadilhos e ganhando o mundo ironicamente.
é muito mundo conquistado e aí querem que eu fique presa a uma única via?
não me faça nome de rua.
também me incomoda que, para eu entrar no cep, a pessoa anterior terá que sair dali - dois nomes não
ocupam o mesmo lugar na placa. e partindo do princípio de que morei anos e anos na rua do capitão,
é grande a chance de tirarem o otávio do cargo para eu assumir o lugar quando morrer (isso, claro,
depois de ter realizado meu grande feito que ainda não realizei).
aí o capitão, que já não tinha lá muita referência para ser lembrado, agora vai para o olho da rua.
e eu, o grande nome (25 caracteres sem espaço) do trocadilho, depois de fazer tanto pelo mundo,
mandar-e-desmandar e brilhar… terminar assim, sem saída? pois se essa rua, se essa rua for minha,
eu mando ela à merda.
peloamordedeus, não me faça nome de rua.
deixe que as ruas façam meu nome.

photo by jacob kiesow on unsplash