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dá um cheiro

saí do banho e: acabou o perfume.

achei esquisito porque nunca morei em uma casa sem perfume.

sempre tive incontáveis. mesmo.


e olha que nem a louca do perfume eu sou, gosto de poucos e bons.

amo gente cheirosa e amo estar cheirosa, óbvio.

fora que cheiros são importantes e marcam momentos -

perfume que fica é o momento que não quer acabar, já escrevi por aqui antes.

mas isso vai além da fragrância em si, né. às vezes é o coração que sente o cheiro,

às vezes é a pele - mas aí é outra história.


então o perfume.


já usei perfumes que nem escolhida - escolhiam por mim. ganhava muito por conta

do trabalho da época - que aí é outra história também. mas ganhava. e guardava.

caindo de amores ou não. achando enjoativo ou não.


já guardei vidros por anos sem nunca usar uma gota sequer, mas com a segurança

de ter todos ali, à mão.


já fui usuária de refil - frasquinho de uso diário na pia, frascão grande no armário

para encher quando acabava o frasquinho.


já tive opção para o dia e opção para a noite.


já usei notas doces porque diziam ser o certo para essa ocasião,

amadeiradas porque o caso era outro.


(usava para a situação e nenhum era para mim)


na adolescência, tinha perfumes preferidos que nem eram preferidos por mim,

mas pelo consenso geral. acontece que nessa fase cheiro é um tema delicado, né?

é quando começamos a aprender a lidar com o nosso próprio odor e, inseguros disso,

acabamos nos misturando aos outros, ou seja, usa todo mundo o mesmo cheiro só para garantir.

afinal, cheiro diferente a gente sente de longe e sempre chama a atenção. seja bom ou seja ruim.

basta ser diferente e está lá se destacando. ainda mais por volta dos treze anos em diante.


foi por aí que o eternity masculino foi eterno enquanto durou e logo parti para

outras aventuras olfativas, nem sempre certa de que era o que queria.


(usava por um hit dos anos 90 e não era por mim)


perfume é pele, né? perfume é química e alquimia com o nosso corpo. com a nossa alma.

é a marca que deixamos no mundo e as lembranças que levamos com a gente.

e depois de usar tantos perfumes que não eram minha magia,

fico imaginando quantas pessoas pensam em mim pelas fragrâncias erradas

que deixei e nem eram as que eu queria deixar?


(vivi, por muito tempo, no rastro que esperavam de mim e nenhum era eu)


é quase como se o perfume fosse uma cortina de fumaça.

tirava o foco do que realmente queria:

eu, meu cheiro, minhas escolhas, minhas marcas.


aí o tempo foi passando e fui me desfazendo daquele estoque despropositado

que contei lá em cima. fui distribuindo até que sobrei com três.

que foram acabando até cheguei ao dia de hoje:


saí do banho e acabou o perfume.


eu fui da pessoa com estoque descontrolado e desnecessário para: zero.

nem uma gotinha sequer restou.


num primeiro impulso - e agora?

depois pensei de novo e

esse desespero com a ideia de ficar sem… por quê?

medo de sentirem meu cheiro?


e aí lembrei do dia que

"putz, esqueci de passar perfume"

e o cara respondeu

que se quisesse cheirar o perfume ele comprava e teria em casa.

e aí percebi que todo o meu esforço era para evitar

ficar vulnerável com meus próprios cheiros à mostra.

e se não agradar e se feder e essa coisa toda?

cheiro somos nós como somos, crus,

é natural de todo ser humano e ao mesmo tempo único em cada um.

perfumes nos protegem dessa crueza toda.


e aí pensei naquele papo todo de que devemos ser vulneráveis

e que ser vulnerável é mostrar as fraquezas, sem esconder.

e aí pensei mais um pouco e entendi que mostrar quem somos

não é fraqueza,

ao contrário,

essa é justamente a fortaleza, confiança e segurança

porque é a única coisa que é com certeza.

todo o resto não sabemos o que pode ser,

mas sobre nós, a garantia: eu sou eu.

posso até mudar, mas continuo sendo eu

na minha própria pele.

e aí percebi que o ponto não é ser vulnerável, mas ser verdade.

mostrar seus cheiros,

que podem agradar ou não, feder ou não e essa coisa toda.

mas aí é outra história.

a história aqui é se destacar pelo seu cheiro, sim. ao contrário de quando tínhamos

por volta de 13 anos, se destacar por algo que é único é o que vale.

pelo menos aqui em casa.


ah, o perfume? vou comprar um novo, claro, mas estou esperando meu instinto escolher.





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