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clube do golpe


eu faço parte de um clube de golpes.

bem, na realidade somos apenas em dois. nem chega a ter regras, rituais e quetais. apenas duas pessoas

que vira e mexe se envolvem em golpes.

não, não aplicamos.

às vezes criamos, isso sim. mas colocar em prática não é o nosso lance. é mais uma curadoria mesmo,

como um clube de livros.


acontece que percebemos que todos nós, pelo menos uma vez na vida, já caímos em um papo desses e

temos uma boa história para contar. e afirmo que a história é boa porque a intenção de um golpe

pode não ser nada legal, mas o enredo é sempre interessante. sempre!


já reparou como eles são elaborados? cada detalhe muito bem arquitetado para te enrolar. são tão

pensadinhos e envolventes que não dá nem para questionar.

a pessoa vai lá e cai.


por exemplo, imagine: interior de são paulo, coral infantil de uma igreja, fim de ano. um cenário comum,

acima de qualquer suspeita. aí alguém resolve gravar um cd com músicas natalinas cantadas pela criançada. com um toque inesperado: em inglês! quem recusaria investir um dinheirinho em um projeto tão inocente e

criativo desses? um bando de crianças wishing you a merry xmas é irresistível. aí os pais pagam,

os pequenos cantam e o cd nunca é visto. pronto, jogada perfeita.

um golpe malvado porque mexe com fé, espírito natalino, infância, filhos. mas é, ao mesmo tempo,

sutil justamente porque tem fé, espírito natalino, infância, filhos - ninguém vai desconfiar.

a pessoa vai lá e cai.


aí uma dupla de jovens bate na porta da sua casa, com papéis em mãos, uma expressão humilde,

um discurso bem ensaiado. eles estão prestes a se formar na faculdade, é o que dizem, mas não têm

dinheiro para pagar o último semestre. um só semestrinho, seis meses!, e podem realizar o sonho da

graduação - os primeiros da família a chegarem lá. a papelada cheia de números e palavras comprova

o discurso, dá uma olhadinha. e é fácil-fácil ajudar, eles têm até máquina de cartão. quer dividir em

quantas vezes?

um golpe mais escancarado, mas tão rico em detalhes e bem orquestrado que não dá

tempo de pensar. ninguém vai ler a tal documentação para confirmar, só quer voltar logo lá para dentro,

para a panela no fogão, para a roupa na máquina… e, poxa vida, são sonhos.

a pessoa vai lá e cai.


pode, também, ser madrugada e o telefone toca. uma voz feminina insinua ser sua filha, grita que está, supostamente, amarrada no quintal de casa. você nem questiona como ela conseguiu fazer

a ligação com as mãos atadas. é a vida da sua filha, afinal. aciona quem pode. por acaso, nessa noite mais de

30 policiais podem. em 10 minutos, 20 no máximo, e todo o quarteirão da refém está isolado, com o bando

a postos em frente à casa, ensaiando estratégias para invadir. mas aí é outra história.

voltando ao golpe, esse é um clássico já bastante manjado. mas, poxa vida, a voz é idêntica. não pode ser coincidência acertarem que você tem uma filha e que, ainda por cima, mora em uma casa com quintal.

e, cá entre nós, na madrugada de sábado para domingo, em meio a um porre, a gente não discerne muito

as coisas. timing perfeito.

a pessoa vai lá e cai.


mais uma de telefone, dessa vez com um funcionário do ibope - é o que ele diz, mas pode ser também

um desempregado entediado. ou só espirituoso mesmo. depois de preencher o formulário de pesquisa

sobre a tv a cabo, como de praxe, conta spoilers de seus programas favoritos, avisa de reprises,

conta curiosidades sobre a programação… liga semanal-pontual-insistentemente com esse papo e,

um mês depois, avisa que o período de teste acabou. é aí que promete um serviço exclusivo como esse

do telefone, mas pelo email. são só três parcelinhas de R$ 50, dois anos de validade, e ainda ganha

uma camisa oficial do seu time.

um golpe que visa mais preencher o tempo do que a conta bancária. você, do outro lado, pouco se importa

em receber informações que acha no google, só deseja o que desejamos desde a invenção do telemarketing:

o fim das ligações de uma vez por todas. em três módicas parcelas e você está livre do cara por dois anos.

ainda tem brindes? brasileiro adora brinde, parece um ótimo negócio.

a pessoa vai lá e cai.


são pedro do atacama, revéillon, a vibe do deserto, céu mais estrelado do mundo, aquela coisa toda.

o cara promete virada com bebida, comida, música, muita gente bacana e tudo isso em um campo aberto

fora da cidade, com toda a imensidão do universo a seu dispor. jeito especial de começar o ano.

vai duvidar de alguma coisa aí? as festas deles são famosas, não tem como dar errado.

a pessoa vai lá.


31 de dezembro, entramos no ônibus e chegamos ao destino menos de dez minutos depois. não era

fora da cidade? bem, saiu do centro e atravessou a estrada, vai ver era isso.

o campo era realmente aberto, mas…


poh, não falei que o campo era de futebol na várzea? perdona. bebida tem ali, pero já acabaram as duas botellas de vino que compramos para as 30 pessoas que vieram. tranquilo, já foram comprar mais - vamos torcer para ter mercado aberto. a comida esfriou e vocês não se importam em comer com as mãos, verdad? está mucho frio, pero no rolou fazer el fuego que prometemos. mas vamos hablar de estrelas… meu sobrino juan topou falar o que aprendeu em um curso online, vai falar uns nomes de constelações, apontar cadentes que todos veriam mesmo sem ele ali do lado... en un rato está resolvido e começamos a fiesta. cachay, virou meia noite e nem vimos?! bueno, não tinha champanhe para estourar mesmo. ainda dá tempo de bailar un poco, mas

chega pertinho porque só tinha esse som lá em casa e a potência não é boa, cachay?

pois é, pagamos para ver - e cair.


esses são alguns dos golpes que pararam em nossas mãos aqui no clube.

um deles é ficção.

os outros só parecem que são.




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