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banho amigo

tem banhos e banhos. banho-banho, banho rápido - e que aí é ducha, banho de mar, banho de loja,

banho de canequinha, banho de espuma, banho de chuva…


tem o banho frio, que uma galera consegue encarar por vontade própria e eu não consigo entender.

meu pai é um desses. ele aboliu a água quente há anos e aí faz no esquema pá-pum: entra, molha,

faz o que tem que fazer, sai. sistemático e sem lero-lero, afinal é frio para cacete.

um banho funcional.

a mãe de um amigo também faz igual, mas por motivos mais estéticos, já que a água fria tem aquela

história de dar brilho à pele e ao cabelo e coisa e tal.

um banho de beleza.

um outro amigo, por sua vez, toma o banho quente normal, mas encerra com uma ducha gelada.

diz que se começar o dia assim, com um balde de água fria na cabeça, o que vier dali para frente está ok.

se sente preparado.

um banho de realidade.


no caminho inverso tem um amigo que adora banheira mais do que consigo entender


(não suporto banheiras - não acho sensual, não acho confortável, não acho limpo)


mas ele adora. seu primeiro contato adulto com a banheira foi em um motel e foi uma paixão tão intensa

que fez disso sua meta de vida: teria em casa (a banheira, não a moça). tão logo comprou seu apartamento,

fez uma reforma imensa e improvável para encaixar a bendita no banheiro. assim foi.

e assim é diariamente: enche de água morna e deita ali por quase duas horas. atualiza mensagens, emails e

afins assim, imerso. e jamais em água fria, então tem o cuidado de ir atualizando também a água quente,

para começar o dia relaxado e aos poucos.

um banho maria.


eu sempre usei banhos para pensar. grandes ideias e soluções vêm dali. e muitas vão pelo ralo antes que

eu possa desligar o chuveiro e anotar no papel.

um banho de ideias.


o fato é que um bom banho sempre vai bem, independentemente do estilo escolhido.

só não dá para não ter.


mas acontece. nesse caminho absolutamente avesso, minha avó. nos últimos anos de sua vida, abriu mão do banho. mesmo! disfarçava aqui, fugia ali, os dias passavam e nada de água. na cabeça dela (acho eu) já tinha tomado banho o suficiente ao longo dos quase 100 anos que viveu e cansou. algo como aquele espanhol que também desistiu desse hábito há cinco anos. a diferença é que ele tinha 32 quando largou e certamente não tinha acumulado tantos créditos quanto a minha avó. diz ele que passamos dois anos inteiros de nossas vidas tomando banho e que seria um desperdício de tempo, dinheiro e água.

ah, vá tomar banho, né?


aí ontem de manhã acordei chorando. à beça. um desses momentos em que o peito enche,

a gente racha e escorre. aquele choro balde que vem enxaguando tudo para uma limpeza pesada.

tomei um banho (quente, claro) para disfarçar as lágrimas com a água do chuveiro.

não adiantou.


ainda molhada (como uma lágrima pode molhar tanto?) corri do banho para amigos,

que estavam ali com palavras e afeto e colo para enxugar essa lambança. chorei de novo, agora de emoção.

um banho de amor.


ter amigo é como tomar banho: é essencial e diário.

às vezes é para dar um chacoalhão e trazer para a realidade,

às vezes é para acolher e aquecer o coração.

e quando não tem, a coisa fica feia.


mas a coisa ficou linda porque eles estavam ali.


dormi de alma lavada.




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