ela tentou todas as floriculturas que conhecia, só queria um vaso de margarida para
te mandar de aniversário. ou arranjo, ou buquê ou uma única flor, que fosse. mas que fosse margarida.
lá pelas tantas ela achou, pediu, mandou, chegou.
você recebeu um vaso tímido (foi vaso que ela encontrou), se passava por bonsai,
poucas flores, as poucas que tinham estavam em coma.
aí você sorri.
muito.
mais do que sorri com qualquer outro presente naquele aniversário.
sorri porque a sua prima, que dedicou uma manhã inteira a essa caça,
sabia que margarida é a sua flor preferida.
não só sabia, ela lembrava.
não só lembrava, ela queria que você lembrasse também.
uma flor tão simples, miolo amarelinho, pétalas brancas iguaizinhas e bem organizadinhas como raios de sol, caule verdinho. pronto, é isso. é a flor como conhecemos nos desenhos. a flor como desenhamos quando desenhamos flores pelos cantos dos cadernos.
adora sol.
e parece estar sempre sorrindo.
quando ajuda corações que não sabem se o outro bem-quer ou mal-quer, ela sorri.
quando suas pétalas viravam pastas para disfarçar cabelos brancos dos assírios, lá pelos tempos
em que existiam os assírios, ela sorria. talvez até risse dessa aposta curiosa.
quando, lá pelos tempos de antigamente da inglaterra, margarida era misturada com água benta
para tratar coisas oftalmológicas, ela sorria… com os olhos.
nos tempos mais atuais, a margarida é a sua flor preferida. e muito antes de chegar capenga no seu aniversário, ela já te fazia sorrir. sempre fez, sem motivo.
a sua foto de infância mais tradicional tem você bebê no colo da sua mãe, as duas no meio de um campo
de margaridas. o fotógrafo foi feliz no ângulo que escolheu e fez parecer um campo, mas era um canteiro.
ou só um canto mesmo. assim como o vaso da sua prima, não era grande e formoso, mas eram margaridas.
você nem tinha se dado conta de que eram margaridas naquela foto até começar a escrever esse texto.
lembrou e sorriu, como sorri na foto - afinal, era margarida.
um tempo depois disso, sua outra mãe (sim, você tem algumas delas) desenhou um livro inteiro dedicado
a você. ilustrou a sua festa de aniversário. em uma das páginas, contou: seu animal preferido era o passarinho;
e sua flor, a margarida.
você nem lembrava disso até outro dia, quando achou esse livro, leu e sorriu. como você sabia que
era margarida com apenas cinco anos?
depois que esse livro foi escrito, começou a estudar. foi até o fim naquela escola,
todo santo dia, na mesma rua: rua das margaridas. por doze anos, viveu e cresceu no meio das margaridas.
você nem lembrava disso até outro dia, quando saiu para correr e resolveu dar um oi para o colégio. foi, parou e ficou olhando para aquele lugar onde se conheceu e reconheceu. mas foi só
virando a esquina para ir embora que reparou na placa da rua. sorriu. tanto de você ali... tanto de margarida.
se formou e seguiu por outros caminhos. por muito tempo - e disso se lembra bem, dizia que gérbera era
sua flor preferida. aquela que é tipo margarida, só que grande e bem colorida, sabe? nunca foi, mas você
queria se destacar, ter alguma autenticidade, chamar a atenção por cores que não eram suas. sei lá, só sei
que acha gérbera bonita, mas não é margarida. até se parece, tenta ser e tal, mas acaba forçando algo
que não é. tipo a gente quando é jovem.
deixou passar e esqueceu. talvez não tenha sorrido nessa época porque não era margarida.
tatuou uma margarida no braço. por outros motivos e, admita, nem se lembrava que era sua flor preferida quando decidiu. mas nunca tinha deixado de ser e ela deu um jeito de voltar e ficar à flor da pele, isso não tem como esquecer. sorri toda vez que olha para ela.
a margarida sempre esteve na sua vida, de um jeito ou de outro. você querendo ou não.
tentou mudar a margarida, mas ela não deixou. porque é a sua essência. porque é você.
você pode até querer esconder, mas a margarida vai aparecer.
é que às vezes tem tanta coisa acontecendo, que a gente esquece de se aguar e se colocar no sol.
às vezes a gente esquece que tem poderes de curar olhos e corações. às vezes a gente esquece que enfeita por aí.
às vezes a gente esquece que muita gente bem-te-quer. às vezes a gente esquece que é margarida.
mas sempre tem alguém para te lembrar.
aí você sorri.
photo by aaron burden on unsplash
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