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a parada da parede vermelha

eu ainda morava com meu ex-marido quando deu uma vontade obsessiva de

pintar uma das paredes da sala de vermelho. digo obsessiva porque era isso: uma obsessão.

começou como uma ideia interessante, seguiu um caminho insuportável de neurose e compulsão.


era impossível pensar em outra coisa

que não fosse na tal da parede vermelha.


estava meio sem dinheiro, ainda assim bastante disposta a investir na parede vermelha.

porque eu achava que, de fato, seria um investimento. que mudaria todo o astral da casa,

que deixaria tudo mais bacana, que seria ótimo, que ia dar uma vida, sabe?


era impossível pensar e considerar outra coisa

que não fosse a tal da parede vermelha.


meu ex-marido não ligava muito para a cor da parede, mas já estava absolutamente descontente

com o vermelho antes mesmo dele pintar por lá, de tanto que essa tecla era diária e onipresente.


era impossível pensar, considerar, falar outra coisa

que não fosse a tal da parede vermelha.


acumulei um sem número de referências e fotos e ideias e toda uma paleta dos

mais variados vermelhos possíveis. qual tom ficaria melhor? demorei a decidir.

como complementar a decoração naquele canto? foi um quebra-cabeça.


era impossível pensar, considerar, falar, pesquisar outra coisa

que não fosse a tal da parede vermelha.

minha irmã, designer de interiores, dizia para pensar bem porque a sala era

pequena e aquele vermelho poderia logo enjoar... pouco me importei.


era impossível pensar, considerar, falar, pesquisar, imaginar outra coisa

que não fosse a tal da parede vermelha.


eu só pensava, considerava, falava, pesquisava, imaginava e

perseguia a conquista da tal da parede vermelha.


ideia fixa mesmo.


tinha acabado de casar, dias frescos,

bastante amor, uma delícia de apartamento,

aquela coisa toda feliz.

só que eu achava que a coisa só seria toda feliz para valer quando, finalmente, pintasse

a tal da parede de vermelho.


a nova casa dependia desse vermelho.

o astral da nova vida gritava pelo vermelho.

sem o vermelho, sem graça seria e nada valeria a pena.

era o que eu achava.


o desejo pelo vermelho ofuscava todo o resto que acontecia ao redor.

literal ou simbolicamente.


até que aconteceu:

pintei a tal parede de vermelho.

grande conquista.

depois de tamanha espera, lá estava ela tinindo. sorrindo.

colorindo as coisas ao redor.

literal ou simbolicamente.


ahhhh agora sim - era o que eu pensava à tarde.


à noite sugeri que mudássemos o sofá.


tão logo realizei essa obsessão, fui atrás de uma nova.

agora o astral daquela casa dependia de outra coisa.

não me lembro bem, mas chuto que disse isso de costas para a parede,

como se ela não estivesse ali. ou que nem fosse vermelha.


já pensando na próxima? nem curtiu

a tal da parede vermelha…


isso quem disse foi meu ex-marido.


não respondi, mas concordei em silêncio com essa parada.

e percebi quantas paredes na minha vida eu pintei de vermelho,

mas não aproveitei porque já estava com a cabeça no sofá…


foi ali, encarando aquela parede vermelha recém-conquistada,

que comecei a curtir todas as outras paredes vermelhas já alcançadas.

isso sim dá uma vida!

literalmente.


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