você me deve 200 reais porque não veio ontem e senti a sua falta.
quem cobrava era o moço em frente a um portão, esperando para entrar.
pelo lado de dentro, a moça que aparentemente não foi no dia anterior
virava a chave para liberar a entrada.
eu era só uma moça qualquer que passava pela calçada nessa hora. além de ouvir a declaração,
também vi através das grades que ela parecia mais satisfeita por ter despertado saudade
do que preocupada em dever essa grana.
sorri. segui.
pensando: quanto vale a minha ausência?
porque a presença é fácil calcular, ela envolve elementos mais palpáveis.
falamos obrigado, sorrimos, tiramos foto, abraçamos, brindamos… uma série de
fatores reais que demonstram a alegria pelo corpo presente da pessoa em questão.
já a ausência é sentida, mas fica por isso mesmo e não é valorizada.
gente, eu sei que é esquisito pensar na ausência como coisa boa. mas é.
ok, entendo que ausência significa que tem uma parte faltando
e por isso incomoda.
(e aí dói, claro - não quero dizer o contrário)
mas daí inventamos o lembrar.
lembrança
é a alma contando histórias para distrair a cabeça.
é a alma revivendo situações para preencher o peito.
é a alma abraçando aquele alguém que queríamos perto.
ou seja, a ausência é carregada dessas coisas boas, desejos, vontades…
tudo isso ajuda a preencher o buraco e mostra o valor daquela falta.
as pessoas costumam ter reservas em relação à saudade, mas se tem saudade,
é porque tem viver contido ali.
parece um buraco vazio, mas na verdade é cheio de umas 200 lembranças.
e isso vale um bocado.
ainda na mesma quadra, virei para trás, mas eles já tinham entrado.
gosto de imaginar que, quando o portão abriu, o moço recebeu o sorriso
que sua alma lembrou um dia antes.
quiçá até o abraço.
sorri. segui.
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